Código de Conduta do Kernel Linux: Mitos e Verdades

Depois da notícia de ontem – aqui – sobre o futuro do desenvolvimento do kernel Linux após a adoção do Código de Conduta, trago esta publicação para esclarecer diversos pontos e sanar várias dúvidas dos distintos membros da comunidade open source.


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Primeiramente, gostaria de pedir desculpas pelo título tendencioso da publicação anterior que estava ambíguo. De suma não temos notícia de nenhum desenvolvedor de fato que fez a ameaça de sair devido ao novo código de conduta. O email que trouxe a discussão á tona foi gerado por um usuário anônimo que nunca contribuiu diretamente para com o kernel Linux, porém a observação do referido e-mail trouxe a discussão, onde vários pontos da mesma devem ser esclarecidos, vários deles reais, outros apenas especulação.

Os SJW’s tomaram conta do Kernel? Não.

O novo CoC é baseado no Contrato de Contribuinte escrito por Coraline Ada Ehmke, mais precisamente a versão 1.4. Ele não é uma novidade, tendo sido adotado por muitos projetos de código aberto, como o Eclipse, Ruby e Kubernetes.

Embora o código não seja tão controverso, Ehmke se manifestou contra a trans fobia, que tem sido vista por alguns como incentivadora de sua própria agenda em projetos de código aberto. Seu tweet sarcástico ajudou a colocar lenha na fogueira. Mas Ehmke não tem papel de liderança na comunidade Linux e não pode tomar decisões por lá.

Torvalds, em conjunto dos outros desenvolvedores seniores do kernel Linux, adicionou o CoC. Ninguém mais o fez. Deixando ainda mais claro, a Linux Technical Advisory Board (TAB), um braço da Linux Foundation é quem será a responsável por reforçá-lo e aplicar o CoC sob os desenvolvedores. Theodore “Ted” T’so, um desenvolvedor sênior do kernel e engenheiro do Google, explicou no LKML: “O TAB pode fazer uma recomendação , mas a decisão de agir com base nessa recomendação reside nos Mantenedores em geral e, a decisão final, ficará com o Torvalds.

Sage Sharp, o antigo desenvolvedor do kernel que deixou a comunidade Linux por causa de sua toxicidade, não confia no TAB para cumprir seu dever pelo código. Sharp twittou: “Eu não tenho fé que o TAB responderá a uma violação do Código de Conduta prontamente ou com uma resposta bem pensada. Por favor, peça à diretoria para liberar um relatório de transparência anônimo sobre todos os códigos de kernel Linux anteriores e somente conduzir casos de violação de direitos humanos“.

Esclarecendo que SJW é um termo pejorativo para “Social Justice Warriors”, quem tecnicamente levanta bandeiras da justiça social em qualquer meio, independente se este causará ou não danos a este meio. Mas não é o que aparentemente vai acontecer aqui, não temos um SJW infiltrado na comunidade do kernel Linux tentando destruí-lo, é apenas um código de conduta que os desenvolvedores devem seguir e será monitorado pela TAB, que é igualmente um braço da Linux Foundation.

Torvalds se afastou por conta do CoC? Não.

Torvalds já havia se afastado do desenvolvimento do kernel lá nos idos tempos de 2005. Portanto um afastamento do criador do kernel não é nenhuma novidade. Enquanto que, ele mesmo por adotar o Código de Conduta (CoC), quem o conhece a muito tempo sabe que ele não liga muito para essas coisas.

Em seu recente e-mail pedindo desculpas públicas por sua forma de agir para com os desenvolvedores, ele se mostrou arrependido da forma como trata os colegas de desenvolvimento e se afastou como umas “férias” merecidas, para focar no desenvolvimento de seu outro popular projeto, o Git. Mas ele voltará em breve e dará seu pronunciamento sobre isso.

Se eu fosse um homem do tipo que fica apostando, eu diria que ele voltará a tempo de gerenciar o próximo ciclo de lançamento ou seja, no kernel 4.20/5.0, no final de Outubro, mais precisamente dia 22, quando o Linux Kernel Maintainer Summit será realizado em Edimburgo, na Escócia. Afinal de contas, uma das razões pelas quais Torvalds se afastou do kernel foi porque esse evento teve que ser remarcado para cumprir sua programação.

Tudo vai mudar? Não.

Como VM (Vicky) Brasseur, consultor de código aberto e vice-presidente da Open Source Initiative (OSI) twittou: “Pessoal, sei que ainda há muito trabalho a ser feito e que este é apenas o primeiro passo , mas se você criticar alguém por dar o primeiro passo (mesmo que você ache que deveria ter feito isso antes), é menos provável que haja mais passos depois disso.

Resumindo, toda mudança recebe críticas. Lembra quando o SystemD substituiu o Init? Foi uma guerra interna de nível semelhante, hoje a maioria dos desenvolvedores já aceitou a mudança e seus enormes pontos positivos.

Nenhum desenvolvedor foi banido!

O Kill Switch existe desde 1997, data da criação da GPLv2. Mas ninguém foi expulso da comunidade do kernel Linux e ninguém removeu seu código. Tanto quanto sei, ninguém apresentou uma queixa contra ninguém ao TAB. Mesmo se alguém foi expulso, não está claro o que aconteceria com o código que eles já haviam doado. – Como já falei, se o código já foi forkado, ele continua existindo; o kill switch pode ser uma luta vã se o código já possui forks demais na comunidade.

Eric S. Raymond, um dos criadores do conceito de código aberto, escreveu: “Esta ameaça é real. Eu pesquisei a lei relevante quando fundava a Open Source Initiative. Nos EUA há jurisprudência confirmando que perdas reputacionais relacionadas a conversão dos direitos de um colaborador a um projeto GPL é julgável por lei.

Como Matthew Garrett, desenvolvedor de Linux e engenheiro de segurança do Google, comentou no Twitter: “Para cada pessoa que por ventura venha a deixar o kernel por causa da CoC, eu me comprometo a ajudar a orientar um novo colaborador interessado em assumir o trabalho deles”. Ele rapidamente seguiu: “Bem, até agora eu tenho uma ordem de grandeza de mais pessoas interessadas em contribuir para o kernel do que pessoas que ameaçaram de forma convincente a parar de contribuir, então isso parece um bom sinal”.

Análise Opinativa

Repetindo alguns argumentos que utilizei na análise opinativa da publicação anterior, onde foco na parte técnica para apaziguar os corações que ainda acham que teremos problemas com o tal “kill switch”:

Cara…

Temos vários pontos a pensar aqui. Se por ventura colocarmos uma sequência de fatos, o que pode acontecer:

  1. Com a CoC, quem fizer besteira será punido; Se a pessoa tem processo na justiça devido a assédio sexual, racismo, etc, ele vai responder na justiça, ele está errado.
  2. Para preservar a integridade moral entre todos os +3.300 desenvolvedores da comunidade, o citado membro poderá ser banido de acordo com as normativas e avalição interna pelo TAB!
  3. O membro banido, se sentindo “injustiçado” – tecnicamente foi justa causa – pode apertar o kill switch e remover suas contribuições do Kernel Linux. – Improvável, já que ainda não estamos sabendo de ninguem que possa ter sequer cogitado isso.

Tenham em mente que:

  • O Kill Switch sempre existiu desde 1997. Qualquer desenvolvedor que sentir vontade, pode em tese aplicá-lo a qualquer momento.
  • A GPL, seja ela a v2 ou a v3, assegura que o código pode ser forkado, isto é, clonado e redistribuído livremente sob outro nome com modificações internas.
  • O desenvolvedor que apertar o Kill Switch removerá seu código original mas não terá qualquer controle sobre o código caso ele já tenha sido forkado. – É por isso que muitos desenvolvedores sob a GPL não tentam “fechar” seus códigos sob Copyright, porque é uma causa perdidaVocê irá alimentar seu ego, sim, fechando o código, mas se ele já foi forkado e você não tem qualquer autoridade sobre ele dali em diante, uma causa perdida. Podemos chamar isso de “o kill switch” do “kill switch”, possui validade mas só até certo ponto.
  • Qualquer desenvolvedor que apertar o Kill Switch está ciente que muitos da comunidade já clonaram todo o repositório das distribuições, copiar a source, modifica-la e lançá-la sob a GPL como um fork, simplesmente dá continuidade no trabalho e o código não vai morrer.
  • Dentre os +3.300 membros que contribuem com o código do kernel, temos uma certa certeza que dezenas deles substituiriam facilmente a ausência de qualquer um que for banido, continuando o legado do código que foi forkado.

Tal qual aconteceu em Hollywood recentemente, com a demissão do diretor acusado de assédio. Por mais que ele seja um diretor de cinema, arrecadou bilhões com bilheteria e deu dinheiro pra muito ator/atriz, ele foi demitido por assédio, por justa causa. – Mais detalhes aqui. E quando falamos “assédio”, não pense só em sexo: O problema pode ser assédio psicológico, social…

Voltando ao caso, de certa maneira o Kernel não vai enfraquecer por conta de [possíveis] demissões como essa, os códigos criados vão continuar por lá, mesmo que na forma de forks, enquanto outros desenvolvedores substituirão os atualmente removidos. Entro até na questão: Quem reclama, é porque tem culpa no cartório. Se você for uma pessoa direita, que apenas trabalha, dá sua opinião, dá e ouve críticas construtivas, tudo continuará como antes!

Deixando claro: o problema será no Kernel… Blobs binários proprietários não sofrerão disso, da mesma forma que os binários de sistema também não.

Projetos como o XOrg, GNOME, WINE, BASH, EXT4 e etc, todos os projetos principais que compõe um sistema Linux continuarão com suas direções inalteradas. O problema existe em códigos abertos – como os drivers de Wifi ou mesmo de Bluetooth – adicionados ao kernel, desenvolvidos pelos contribuidores particulares do código. E mesmo esses códigos abertos, se já foram forkados, ressurgirão com outro nome e pequenas mudanças no código original para não correrem o risco de desaparecerem com o kill switch.

Torvalds

Pelo bem, pelo mal, os desenvolvedores – a.k.a. Linus Torvalds – está colhendo o que plantou. Ele não deu bom exemplo pra comunidade sendo uma pessoa tóxica pro si só. Ele já destilou todo tipo de ofensa direta aos desenvolvedores pelos motivos mais chulos e isso não cabe nos dias atuais, principalmente numa comunidade tão grande e unida quanto o Linux deve haver o respeito para com as pessoas, não importando a situação.

E quando digo que o Torvalds ofendia, não pegava leve. Aqui na WikiQuote você pode ler os trechos mais estranhos do historico do kernel, ofensas diretas a desenvolvedores. Nas palavras do proprio Torvalds:

I like offending people, because I think people who get offended should be offended.
[Eu gosto de ofender pessoas, porque eu penso que pessoas que são ofendidas deveriam ser ofendidas.]

Mas ele mesmo já está se redimindo disso, se afastou do desenvolvimento para organizar as ideias e pediu desculpas publicamente pelas ofensas dos últimos anos. Uma atitude nobre vinda do criador e principal lider do projeto Linux.

…Coroa

Existe alguma possibilidade real de algo ruim acontecer? Dificilmente.

Sob a diretoria da TAB, organização interna pertencente á Linux Foundation o qual Torvalds também “comanda”, dificilmente teremos banimentos infundados sem sequer haver uma investigação maior por parte destes para que seja tudo dentro do que manda a lei e as diretrizes da comunidade: Nem o membro afetado, nem a comunidade e nem o código serão prejudicados.

Claro, isso vai depender de como os membros da Free Software Foundation e a Linux Foundation vão lidar com todas as mudanças e como vão contornar quaisquer situações que surgirem diante da “novidade”.

Fim

Da mesma forma aguardemos o desenrolar dos fatos e posições mais concretas dos membros chave da Linux Foundation e das outras organizações diretamente envolvidas antes de tomar um partido, apontar dedos e listar nomes.

#UrbanCompassPony

Traduzido e adaptado de:
ZDNet.com

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